Moda & Beleza
MET Gala 2018: o evento errou ao discutir religião?
Rolou ontem a edição do MET Gala 2018, um dos momentos mais esperados pelos fashionistas. Mas o que era para ser só mais um desfile de celebridades usando looks poderosos, dividiu opiniões e causou polêmica na internet. O motivo foi o tema adotado pela organização do Museu para este ano: “Corpos Celestiais: Moda e Imaginário Católico”. Como não poderia deixar de ser, os famosos incendiaram a fogueira das vaidades e tanto a escolha do tema, como alguns looks, foram durante criticados. Mas a reflexão que fica é o eterno embate entre moda x arte x religião. Afinal, é válido?
Antes de mais nada, é importante dizer que o tema escolhido para o baile segue aquele escolhido para a grande exposição anual do Instituto de Indumentária do MET. Em 2018, a instituição trouxe uma vasta e importante série de trajes inspirados na religião católica (veja aqui edições anteriores). A brincadeira é que as celebridades que prestigiam o evento (e que ajudam a aumentar as doações e encher os cofres do museu) venham vestidas com looks de moda poderosos encarnando o tema proposto. Mas ao colocar no mesmo caldeirão moda, arte e religião, o caldo pode entornar.
O fato é que muita gente se sentiu incomodada com o uso da religião como espetacularização da moda. Ainda mais quando celebridades, de hábitos reprovados pela igreja, usam e abusam de seus símbolos. De outro lado, muitos acham injusto homenagear uma religião que esbarra na homofobia e no preconceito. Ainda mais quando falamos de moda, uma área que prega a liberdade de hábitos e costumes.
Vale dizer que o MET Gala 2018 não é um pioneiro. A moda já flertou com a religião várias vezes. Como é o caso da Dior, que fez uma coleção toda baseada na igreja católica. “Acho o tema válido, até porque a religião católica ditou por séculos o dresscode do ocidente e foi mecenas para muitos artistas. A exposição pode servir de meio para que se conheça mais sobre isso.” explica a jornalista especializada em moda Rosângela Espinossi.
Para ela, que está acostumada com cobertura de desfiles e até já escreveu um livro de moda, trabalhar o tema da religião na moda é fundamental. ” Na verdade, acho que eles poderiam ter até aberto mais o tema, abrangendo outras religiões, como a muçulmana, ortodoxa, budista, africana. Mas seria amplo demais. E para a exposição, ficaria complicado conseguir mais peças e pudesse ter um viés político delicado.” – completa
O filósofo e pesquisador Brunno Almeida Maia reforça a ideia da jornalista. “A igreja católica constitui o imaginário coletivo durante muitos anos. Agora, tudo depende da forma como será feita a curadoria dessa exposição. Pode ser vista até mesmo como uma homenagem”. O que a religião católica e o cristianismo como um todo, deixaram de herança para o mundo, faz parte do repertório cultural que todos nós carregamos conosco, como sociedade.
O pesquisador ainda ressalta que a arte possui uma aura especial, ligado a tradição, intocável e mistério. “Não estamos falando simplesmente de looks que estão numa passarela, de uma marca, que vira uma campanha e depois serão vendidos nas lojas e esquecidos após seis meses ou menos”. É justamente por isso que a moda se apropria sempre da arte. Para não cair em um discurso de simples consumismo. É o desejo da moda de tornar-se eterna, de atingir o status de objeto artístico.
Independente disso, muitas pessoas criticaram looks como de Rihanna ou Zendaya no MET Gala 2018. A primeira veio vestida de papisa e a segunda de Joana D´Arc, dois importantes ídolos do catolicismo. Bruno acha que usar dessas referências do catolicismo é interessante. “Madonna fez isso a vida dela inteira. Ela construiu o imaginário dela em cima de símbolos religiosos. No caso da Rihanna, acho até interessante uma mulher, negra, com o histórico dela usar essa roupa”. Para Rosângela, os ritos e o vestuário religiosos não deixam de fazer parte de um espetáculo, com toda sua pompa, brilho e signos de poder. “Se a gente comparar o look da Rihanna, com mitra e tudo, com os trajes dos papas, não dá para saber qual é mais alegórico” – completa a autora. É o show da moda que vira arte!
Inclusive, Espinossi elege Rihanna como uma dos looks fortes da noite. Ela ainda gostou de Madonna, Katy Perry e Sarah Jessica Parker. “Elas encarnaram bem símbolos fortes do catolicismo” – afirma. Goste ou não, as eleitas conseguiram atrair os holofotes para si. E Madonna ainda fez show privado na festa encarnando (de novo!) Joana D´Arc.
Brunno marca a importância da ligação entre moda e cultura pop. “A indústria cultura e a cultura pop possuem uma narrativa acessível. Qualquer imagem de moda deve criar uma imagem que seja reconhecida imediatamente, para assim atingir um público muito mais amplo”. As celebridades, como parte do show midiático, atuam como vetores que irão expor essas ideias. A ideia do MET Gala 2018 é tornar essas imagens ícones, que possam ser altamente compartilhados e objetos de desejo. Só assim a moda consegue tornar-se universal e gerar o desejo que tanto precisa para manter-se viva. E claro que usar o Cristianismo, a religião mais popular e conhecida do mundo ocidental, é uma jogada de mestre.
Discussões deixadas de lado, o que o MET Gala 2018 propõe está longe de ser algo novo. Isso é feito desde a Antiguidade por vários artistas. Apoderar-se das imagens e imaginário cristão é uma forma de contestar, criticar ou elogiar. “Desde que não fira o direito de religião do outro, acho que isso pode render algo interessante. Uma homagem, pois são símbolos universais e que fazem parte de uma cultura” – finaliza o filósofo.
E o que você acha disso? Qual seu look favorito do Met Gala 2018?
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