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SPFW N45: Será que o evento saiu de moda?

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A semana de moda paulistana terminou. A edição do SPFW N45 trouxe 28 desfiles, durante 5 dias de evento, propondo novidades para diferentes estações e diferentes estilos. Passado o burburinho fashion que antecede o evento, uma pergunta ficou no ar: será que o SPFW está perdendo sua relevância no cenário da moda? Fomos conversar com três profissionais imersos nesse mercado fashion para entender o que acontece nos bastidores e que ninguém te conta!

O DESGASTE DAS CRISES

Ao caminhar pelos corredores da Bienal a sensação é de estranheza. Para quem conheceu o SPFW em edições anteriores, havia algo de estranho no ar. Pouco público, poucos patrocinadores, menos desfiles. Já não é de hoje que a semana de moda sofre efeitos negativos causados por vários fatores. Desde 2014, o evento começou a dar sinais de esgotamento, ainda que aqueles que comandem o show afirmem se tratar de “reestruturação” ou simplesmente de “adequação ao mercado”. A revolução do mercado digital, a velocidade da informação, a crise financeira e a crise de identidade nacional abalaram a SPFW.

Isso sem contar a crise de criatividade, um dos fatores mais criticados pelo profissionais com experiência no ramo. Sator Endo é um deles. Figurinha querida no evento, ele coleciona trabalhos importantes como produtor e stylist e trabalha com moda há mais de dez anos. “Vi mais do mesmo, e só isso! Os nomes marcantes sempre continuarão sendo importantes. Lino sempre será Lino. Samuel sempre será Samuel. Eles nunca vão perder a essência de fazer moda” – explica.

SPFW N45 DESFILE SAMUEL CIRNANSCK

Em parte, Sator culpa a educação por falta da crise atual. “A formação de moda precisa melhorar. O que estamos vivendo não é algo atual, mas uma consequência do empobrecimento cultural do país que vem de anos.” Para o profissional, a falta de incentivo na formação de uma cultura de moda efetivamente brasileira prejudica os novos criadores. “É preciso criar desafios. Trazer novos nomes para dar frescor ao evento. Gente preparada, que possa desafiar os mais velhos a criar algo novo”

O QUE AINDA FUNCIONA?

Se existe um assunto que é amplamente discutido entre os estudiosos da moda atual é: os desfiles ainda funcionam? Muitos acham que as passarelas perderam um pouco o sentido frente ao avanço da tecnologia. Hoje qualquer um pode ver um desfile em tempo real, de qualquer lugar do mundo.

“Essa geração do sei tudo, que dá um Google e acha que sabe de tudo, é uma geração que admira o feio. São jovens meio deprimidos, pois vivem em um tempo de poucas chances. Não criamos líderes, mas sim pessoas que ficam atras de uma tela de computador, que dão opinião de tudo, mas na vida real ninguém é como se faz parecer” – afirma Sator. Para o produtor, os modelos dos jovens são capturados de celebridades de gosto questionável na internet, o que gera uma cultura obsoleta e falta de referências. “O que vale hoje é a cultura de boteco. Claro que não estou generalizando, mas precisamos de sangue novo, com boas ideias” – completa.

DESFILE OSKLEN NA SPFW N45

O pesquisador de moda e proprietário da Qndaq, Adriano Vendemiatti é categórico ao afirmar que o modelo atual de desfiles se esgotou. Para ele estamos presos em uma imagem que veio dos anos 90 e que não funciona mais na sociedade conectada. “As pessoas se levando a sério demais, a onda yuppie, business pelo business. O povo quer arrepiar, o Brasil não é blasé. Não sei se essa formula funciona para o mundo inteiro, mas aqui é assim. Somos o país do carnaval, de Parintins, do São João, esse é nosso DNA. Os desfiles tem que trazer de volta o pivô da Luiza Brunet, a transgressão da Monique Evans, o sorriso sedutor da Veluma, muita magia, mensagem e música eletrizante. Menos carão e mais atitude” – define.

Aliás, o carão pode ser apontado como um dos motivos que transformaram a semana de moda. Como sempre, a SPFW N45 aconteceu a portas fechadas, para um seleto público de convidados e jornalistas. Um modelo que busca transformar a moda em exclusiva e que afasta as pessoas.

A especialista em branding e construção de imagem, Mônica Penteado, acha que o problema estrutural do evento está, essencialmente, em decisões estratégicas  erradas. ” O ego dos criadores, o luxo desse mercado e o desejo de consumo sempre existirão. E é exatamente o que faz ele “girar”. Não é nisso que está o problema do SPFW, mas na sua gestão.”

Segundo ela, uma série de fatores levaram a semana de moda à total perda de visibilidade. O primeiro e mais importante foi a falta de direcionamento do evento na questão da seleção das marcas. “No mundo todo, só as marcas que têm personalidade e reputação nos seus produtos, são as que perenizam. Os consumidores cansaram da uniformização como as marcas estabeleceram seus produtos, principalmente com o advento do fast fashion. Todo mundo ficou igual.”

E ela ainda completa que as tentativas de mudança (no calendário, nas marcas que desfilam, no local de realização) ajudam a tirar a força da semana de moda. “Algo não foi respeitado pelo evento, foi o calendário de moda nacional e a orientação para os períodos das coleções. As coleções passaram a ser vendidas em datas completamente fora do que era o razoável para a indústria nacional, o que dificulta muito a produção dos modelos.”

O QUE VALE A PENA?

Todos os entrevistados são unânimes no quesito falta de criatividade. Para eles a SPFW N45 não apresentou grandes novidades na passarela e o potencial criativo da moda está estacionado desde 2015. 

DESFILE DE JOAO PIMENTA NA SPFW N45

“Apesar de não ser a única, é a semana de moda mais importante do Brasil e da América Latina. E isso é muito. Mas não quer dizer que esteja pronto. Pense como se ouvia música no começo do milênio, como a gente se comunicava. Tudo acelerou exponencialmente em 22 anos de evento. E apesar dos tropeços, é ainda a nossa maior vitrine para o mundo. Goste-se disso ou não.” – declara Adriano.

Mônica acha que, atualmente, o Brasil peca pela falta de bons criadores no que é apresentado comercialmente. “Eu destaco nomes como Jum Nakao, que criticava a moda sem sentido, e Alexandre Herchcovitch, que é realmente um criador, com competência muito próxima ao Karl Lagerfeld.” A especialista em marketing defende a abertura de possibilidades para novos criadores, através de uma curadoria, onde talentos nacionais possam atingir através do SPFW, voos mais audaciosos. “Foi para isso que o evento foi concebido, para que a moda brasileira fosse vista e reconhecida no resto do mundo. Infelizmente, essa ideia faliu” – dispara.

DESFILE RONALDO FRAGA SPFW N45

Essa falta de reconhecimento como um celeiro de tendências e bons criadores pode ser um dos motivos que afastou o público (e os patrocinadores). A SPFW N45 repetiu a fórmula de investir em nomes que pecam na concepção de moda. E não estamos falando só dos mais jovens. “Nestes últimos tempos, marcas que eram sonho de consumo resolveram revolucionar seu marketing com novas ideias e acabaram com anos de trabalho. Acabaram deixando de ser sonhos de consumo das pessoas e não
conseguem mais voltar a ter o prestígio que tinham”. Essa é a ideia defendida por Endo. “Temos de assumir que moda é sonho e esse sonho gera dinheiro. O povo não gasta dinheiro pra ser igual o seu vizinho. Ela quer ser diferente”

Mas existiram bons desfiles na SPFW N45? Claro que sim! Entre os nomes mais lembrados pelos entrevistados estão Ronaldo Fraga, Lino Villaventura, Samuel Cyrnansck e João Pimenta. “Esses nomes fazem acontecer, porque a moda deles tem substância, tem matéria humana, é real, é desse mundo. E isso faz toda diferença. Vai ter uma pitada deles em cada peça que será comprada. Seja em um shopping de luxo ou nos boxes da feira da madrugada.” – afirma Adriano.

O QUE PODE MELHORAR?

Existem muitos caminhos e possibilidades para a semana de moda. Dada sua importância no calendário fashion nacional, ela precisa revisitar seu formato e sua estrutura em busca de adequar-se aos novos tempos. Lógico que uma parte disso também passa pelo seus público e pela interação que ela faz com essas pessoas que se interessam pela moda.

“Se ainda não temos uma relevância, que pelo menos usemos este evento pra educar. Ao invés de pseudo influenciadores, que as portas se abram aos estudantes de moda. Assim, podemos recriar uma cultura saudável do novo. Existem muitos jovens que querem estudar, se informar e, ainda assim, não tem chance. Chega dessa coisa de um espaço fechado onde tipos estranhos são
fotografados e idolatrados sem motivo algum. Os profissionais de moda não são isso. Não estamos em um zoológico” – declara Sator.

DESFILE AMAPO SPFW N45

Na visão de empreendedor de moda, Adriano acha importante abandonar esse comportamento excludente. Trazer o evento para mais perto do consumidor, mas sem perder de vista que se trata de um evento profissional. “Não estou falando para transferir para o sambódromo. Mas envolver mais as pessoas comuns, que gostam de moda. Fazer com que elas se interessem mais e angariar a atenção de quem despreza o assunto. Look do dia não é informação, é fogueira de vaidades.”

Responsável por trabalhar a imagem de dezenas de empresas de moda, Mônica  acredita que o passo principal é uma seleção de marcas que tenham um produto com DNA.  Inclusive etiquetas que sejam inovadoras na sua concepção, abrindo espaço para verdadeiros criadores com novas ideias e bom trabalho. Mesmo que para isso, seja preciso reduzir o tamanho do evento. “É preciso acabar com esse “modelo” do vale tudo. Sou a favor da criação de um conselho de moda nacional. Formado por empresários de destaque no mercado, editores de moda e pessoas que realmente entendam do assunto. Só assim, um evento como o SPFW N45 terá verdadeiro sentido no consumo de moda.” – declara.

NEM TUDO ESTÁ PERDIDO

Agora, nem tudo são críticas. Todos os entrevistados frequentaram a SPFW N45 e podem afirmar que o evento ainda tem muita lenha para queimar. “O SPFW nunca vai perder sua importância. Nem se um dia acabar. O evento já é História! Até porque, em números, é o 5º maior evento de moda do mundo, atrás de Paris, Milão, New York e Londres, então não é pouca coisa. Então, não, o SPFW não perdeu importância.” – declara Adriano.

Para o empresário, um caminho poderia ser criar um palco alternativo para novos nomes (e isso não tem nada a ver com idade). Algo como acontece na Festa de Peão de Barretos e na Micam Shoevent de Milão.

Ao que tudo indica, investir em potencial criativo, novos nomes e um formato mais flexível e próximo dos consumidores de moda pode ser a saída para a SPFW. “O evento tem salvação, basta fazer acontecer, antes que ele morra de vez, como já aconteceu no passado com a FENIT” – defende Mônica.

Apesar dos fatores externos, o evento tornou-se uma marca. E ainda tem o poder de incentivar novos talentos, despertar o desejo e a curiosidade pela moda. Investir na qualificação de profissional, na educação e fazer a roda dos nomes girar é uma opção. “Quem sabe se Paulo Broges e André Hidalgo unissem forças em um evento único? A SPFW precisa desse frescor da Casa de Criadores. Acho que ia ser benéfico para ambos!”

Depois de muitas e muitas edições e de frequentar muitas salas de desfile, assim que saiu da SPFW N45 Sator Endo declarou. “Admiro a força do Paulo Borges pra manter o evento no meio desse turbilhão que está o nosso país. Ainda temos estilistas que acreditam no sonho, assim como no início de
tudo. Manter este sonho é que tem sido um desafio.”

E você? O que viu de mais legal na SPFW N45? Conta pra gente!

 

Erisson Rosati é jornalista, especializado em moda e beleza. Já atuou em grandes veículos como Portal IG, TOP Magazine e Cabelos e Cia. É assessor de imprensa e professor de cursos livres da Universidade Belas Artes.

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